EXTORSÃO E ROUBO NO MESMO CONTEXTO FÁTICO CARACTERIZA CONCURSO FORMAL DIANTE DA AÇÃO ÚNICA

Decisão muito interessante para quem atua na defesa penal, a primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 98960, decidiu que a extorsão e o roubo praticados no mesmo contexto fático, configura concurso formal diante da ação única.

 

Vejamos o que diz o artigo 70 do Código Penal sobre o concurso formal:

Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior

 

Confira a ementa:

CONCURSO MATERIAL E CONCURSO FORMAL – DISTINÇÃO BÁSICA. Os institutos diferem sob o ângulo da ação ou da omissão, pressupondo o primeiro mais de uma, enquanto o segundo requer ação ou omissão única. EXTORSÃO – CAIXA ELETRÔNICO – NUMERÁRIO – ROUBO – SUBTRAÇÃO DE OUTROS BENS DA VÍTIMA. Vindo o agente, no mesmo contexto, a praticar extorsão, compelindo a vítima a sacar numerário em caixa eletrônico e dela subtraindo outros bens – roubo –, tem-se, ante a ação única, concurso formal e não material. (HC 98960, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 25/10/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 05-12-2011 PUBLIC 06-12-2011 RT v. 101, n. 919, 2012, p. 672-679)

 

Leia o voto do Ministro Marco Aurélio:

V O T O

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Eis a narração do procedimento criminoso, tal como transcrito, na sentença, o trecho respectivo, reproduzido da denúncia:

 

Consta dos autos do IP 066/99 da 79ª Delegacia Policial que aos vinte e dois dias de outubro de 1999, por volta de 21h40min, na localidade denominada Charitas, nesta cidade de Niterói, os ora denunciados, livre e conscientemente, constrangeram Rodrigo Kelly Amim, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, a que se dirigisse a um “Caixa Eletrônico” onde, utilizando um cartão de crédito da vítima, lograram arrecadar a quantia de R$ 260,00 em espécie. Naquele contexto, os denunciados também se apoderaram de um relógio, um cordão de ouro, um talonário de cheque e a carteira de identidade da vítima. […]

 

Ao que tudo indica, na peça primeira da ação penal, o Ministério Público apenas requereu a condenação presente o tipo do artigo 158, § 1º, do Código Penal – extorsão. Em alegações finais, veio a pleitear fosse o ora paciente condenado também por roubo qualificado. O Juízo assentou o concurso material. Observem estarem a extorsão e o roubo em título único – ”Dos crimes contra o patrimônio”. São da mesma espécie, muito embora diferentes. Essa premissa é conducente à conclusão de incidir o disposto no artigo 70 do referido Código. Houve ação única, resultando dela dois crimes – a extorsão quanto ao saque no caixa eletrônico e, a um só tempo, a subtração, mediante violência contra a pessoa, do relógio, do cordão de ouro, de um talonário de cheque e da carteira de identidade da vítima.

 

Ainda sob o ângulo da existência de crimes da mesma espécie, confiram que os artigos 157 e 158 do Código Penal estão no Capítulo II do Título II, que versa sobre o roubo e a extorsão.

 

Ora, a definição do concurso formal abrange o episódio no que o artigo 70 preceitua:

Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único – Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.

 

Os crimes foram cometidos contra o patrimônio e em um único acontecimento: a submissão da vítima à violência perpetrada. Assim, não se trata, no caso, de desígnios autônomos. Ainda que se pudesse entendê los praticados em mais de uma ação, haveria a continuidade delitiva ante as condições de tempo, lugar e maneira de execução, chegando-se a acréscimo idêntico ao estabelecido para o concurso formal. Repito: ocorreu a subtração, por meio de grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, de quantia em espécie mediante o saque em caixa eletrônico, apoderando-se os agentes de um relógio, de um cordão de ouro, de um talonário de cheque e da carteira de identidade da vítima. Insubsistente surge a observância do concurso material ao invés do formal. Os dois crimes possuem o mesmo balizamento em termos de pena. Para o roubo qualificado, prevê-se o mínimo de quatro anos e o máximo de dez, com aumento de um terço – prática por duas ou mais pessoas ou com emprego de arma de fogo. Isso também se verifica quanto à extorsão. Então, considero a pena-base fixada de sete anos de reclusão e sessenta dias-multa, aumentada de um terço em razão da qualificadora, chegando-se a nove anos e quatro meses de reclusão e oitenta dias-multa.

 

No caso, em visão até mais favorável ao acusado, observou-se a agravante após a causa de aumento. Essa parte da sentença, por não consubstanciar o habeas ação de mão dupla, não pode sofrer alteração. Em síntese, levando em conta a pena fixada pelo Juízo para cada um dos crimes – dez anos de reclusão e oitenta dias-multa –, majoro-a em um sexto em virtude de dois terem sido os crimes praticados. Com isso, concluo pela pena final de onze anos e oito meses de reclusão e noventa e três dias-multa. É como voto, assentando que nada há a retocar, no título condenatório, quanto às circunstâncias judiciais e que a problemática da agravante, de ter-se efetuado o cálculo com a causa de aumento, não pode ser modificada.

 

Para conferir o acórdão na íntegra, é só clicar no link:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1607248