Como requerer a liberdade da mulher presa em tempos de coronavírus?

Segundo pesquisas, o Brasil ocupa a 4ª colocação no ranking de país com maior número de mulheres presas no mundo.

 

Em que pese a Constituição Federal e a Lei de Execução Penal expressamente garantirem um tratamento punitivo que respeite a dignidade da pessoa humana, quase sempre o estado não consegue suprir esses direitos, pois as condições precárias do cárcere violam os direitos fundamentais, já sendo declarado inclusive pelo STF na Adpf 347 o estado de coisas inconstitucional para o sistema prisional brasileiro.

 

As negligências que o sistema penitenciário apresentam ferem a dignidade dos detentos, pois, enquanto a população carcerária cresce cada vez mais, aumenta também o sucateamento desses espaços. Aquelas que antes violaram direitos, agora têm seus direitos violados nas prisões.

 

Essa situação da mulher no cárcere se agrava ainda mais agora, com a chegada no novo coronavírus, que deixou o mundo todo em alerta e em quarentena, tudo isso devido ao seu alto poder de transmissão.

 

Foi pensando nisso que o CNJ em 17 de março de 2020 editou a Recomendação de nº 62, que recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

 

Nos termos da recomendação, os presos que englobam o grupo de risco compreende as pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções.

 

Portanto, mulheres idosas, gestantes, ou com algum tipo de doença que possa agravar seu quadro clínico caso venha ser contaminada pelo vírus, entram no grupo de risco, o que fundamenta a manutenção da liberdade por fins humanitários.

 

Porém, há outras situações em que se poderá pleitear a liberdade em face o coronavírus, mesmo que a mulher não esteja no grupo de risco, vejamos o artigo 4º da recomendação 62 do CNJ.

 

Art. 4º Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes  medidas:

 

I – a reavaliação das prisões provisórias, nos termos do art. 316, do Código de Processo Penal, priorizando-se:

 

  1. a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco;

 

  1. b) pessoas presas em estabelecimentos penais que estejam com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, que estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus;

 

  1. c) prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa;

 

Ou seja, mesmo que a mulher não possua nenhuma doença que a coloque no grupo de risco, pode-se requerer sua liberdade baseado no fato dela estar grávida ou amamentando, no caso de ser mãe de criança de até dez anos ou que tenha deficiência, basicamente aquilo que já previa o Código de Processo Penal em seus artigos 317 e seguintes.

 

A alínea b do artigo 4º da recomendação, trata da reavaliação da prisão preventiva das pessoas (homens e mulheres) que estiverem em estabelecimentos prisionais superlotados, unidades prisionais onde não há equipe médica, ou que disponham de instalações que facilitem a propagação de doenças. Agora eu pergunto a vocês, qual unidade prisional não está superlotada e qual há higiene adequada que evita a proliferação de doenças? A resposta é, nenhuma, portanto, pode-se requerer a liberdade somente com base nesses argumentos.

 

Por fim, a alínea c do artigo 4º da recomendação, trata da reavaliação de prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, nesses casos, caso o homem ou mulher que esteja preso preventivamente por prazo superior a este, deve o advogado pedir a reanálise da prisão para saber se os motivos usados para restringir a liberdade ainda existem, da mesma forma se o crime praticado não houver violência ou grave ameaça, um tráfico de drogas por exemplo.

 

Falamos da situação das presas provisórias, agora vamos analisar a recomendação 62 do CNJ no que tange às mulheres já condenadas.

 

Vejamos o que diz o artigo 5º da recomendação:

 

Art. 5º Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:

 

I – concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, nos termos das diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante no 56 do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em relação às:

 

  1. a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência e demais pessoas presas que se enquadrem no grupo de risco;

 

  1. b) pessoas presas em estabelecimentos penais com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão de sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus;

 

Na execução penal, o CNJ recomenda aos juízes a adoção de saídas antecipadas dos regimes fechados e semiabertos, sobretudo para as mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência, assim como as idosas.

 

A alínea b do artigo 5º da recomendação, já traz novamente a situação dos estabelecimentos prisionais superlotados e os sem unidades de saúde, ou seja, mesmo que a mulher não faça parte do grupo de risco e nem possua filhos, só o fato dela estar cumprindo pena em um ambiente carcerário superlotado e de condições precárias já justifica o pleito da antecipação do benefício.

 

Para conseguir o máximo de sucesso no pedido, é necessário o advogado se atentar há alguns pontos, a documentação que irá instruir a nossa petição, exemplo, se for uma presa doente, deve ser juntado exames médicos, laudos, receitas etc. É sempre preferível pecar pelo excesso para não perder tempo, junte tudo que for necessário para provar o que está sendo alegado.

 

Se no seu caso concreto, você perceber que mesmo a sua cliente sendo enquadrada nos requisitos da Recomendação 62 do CNJ, que ela ainda não possui requisitos para a prisão preventiva, ou que já há o excesso de prazo por conta do adiamento da audiência, alegue tudo para somar com a recomendação, tudo o que favorecer a mulher  vale a pena ser alegado. Peça subsidiariamente a aplicação de medidas cautelares diversa da prisão, como o uso de monitoramento eletrônico.

 

Fale sobre o suposto crime praticado, demonstre ao juiz que não envolveu violência ou grave ameaça, fale ainda a respeito dos antecedentes e primariedade se houver, demonstrar ainda que esta é imprescindível para os cuidados dos filhos menores.

 

Análise a jurisprudência, a começar pela do STF, STJ e TJ do seu e dos demais estados, procurar por casos semelhantes ao seu é fundamental, o objetivo é demonstrar ao juiz que, nessa situação específica, ele deve julgar da mesma forma que julgou os outros casos similares, por conta do princípio da isonomia.

 

Por fim, contrate sempre sempre um advogado experiente e que atue na área criminal para fazer uma análise minuciosa do caso concreto. Recomendo a todos que se interessarem pelo assunto, que leiam na íntegra a  Recomendação de nº 62 do CNJ, bons estudos!