Sou mulher e estou presa, tenho direito a prisão domiciliar por causa do coronavírus?

Com a Lei 13.769 de 2018, foi criado o artigo 318-A e 318-B no Código de Processo Penal, que diz respeito a substituição da prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência.

 

Vejamos a redação dos dois artigos:

 

Art. 318-A.  A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:

 

I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

 

II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

 

Art. 318-B.  A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.

 

Da análise dos artigos, o que se pode observar é que são dois os requisitos que a mulher deve cumprir para obter a prisão domiciliar, estar gestante ou ser mãe e não ter cometido crime que envolva violência ou grave ameaça e nem ter praticado o crime contra o seu filho ou dependente.

 

No mais, com a pandemia do novo coronavírus Covid-19, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) editou a Recomendação de número 62, que recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

 

CONSIDERANDO que o grupo de risco para infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 compreende pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções;

 

CONSIDERANDO que a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos;

 

CONSIDERANDO o alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e o agravamento significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais e socioeducativos, tendo em vista fatores como a aglomeração de pessoas, a insalubridade dessas unidades, as dificuldades para garantia da observância dos procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos, insuficiência de equipes de saúde, entre outros, características inerentes ao “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 347;

 

Art. 2º Recomendar aos magistrados competentes para a fase de conhecimento na apuração de atos infracionais nas Varas da Infância e da Juventude a adoção de providências com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto e a revisão das decisões que determinaram a internação provisória, notadamente em relação a adolescentes:

 

I – gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até doze anos de idade ou por pessoa com deficiência, assim como indígenas, adolescentes com deficiência e demais adolescentes que se enquadrem em grupos de risco;

 

II – que estejam internados provisoriamente em unidades socioeducativas com ocupação superior à capacidade, considerando os parâmetros das decisões proferidas pelo STF no HC no 143.988/ES;

 

III – que estejam internados em unidades socioeducativas que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus; e

 

IV – que estejam internados pela prática de atos infracionais praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa.

 

Art. 3º Recomendar aos magistrados com competência para a execução de medidas socioeducativas a adoção de providências com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, especialmente:

 

I – a reavaliação de medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, para fins de eventual substituição por medida em meio aberto, suspensão ou remissão, sobretudo daquelas:

 

  1. a) aplicadas a adolescentes gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até 12 anos de idade ou por pessoa com deficiência, assim como indígenas, adolescentes com deficiência e demais adolescentes que se enquadrem em grupo de risco;

 

  1. b) executadas em unidades socioeducativas com ocupação superior à capacidade, considerando os parâmetros das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus no 143.988/ES; e

 

  1. c) executadas em unidades socioeducativas que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus;

 

II – a reavaliação das decisões que determinaram a aplicação de internação-sanção, prevista no art. 122, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Portanto, as mulheres grávidas e mães, mesmo as que não são mães, mas pelo fato de estarem internadas em uma unidade socioeducativa com a capacidade máxima superada e sem unidade de saúde no local podem requerer a prisão domiciliar e a reavaliação da internação.

 

Na fase de conhecimento criminal, as recomendações foram as seguintes:

 

Art. 4º Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:

 

I – a reavaliação das prisões provisórias, nos termos do art. 316, do Código de Processo Penal, priorizando-se:

 

  1. a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco;

 

  1. b) pessoas presas em estabelecimentos penais que estejam com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, que estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus;

 

  1. c) prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa;

 

II – a suspensão do dever de apresentação periódica ao juízo das pessoas em liberdade provisória ou suspensão condicional do processo, pelo prazo de 90 (noventa) dias;

 

III – a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias.

 

Para a fase de conhecimento, as prisões provisórias devem ser revistas nos termos do artigo 316 do CPP, priorizando-se as de mulheres gestantes, lactantes, de presas que fazem parte do grupo de risco, idosas, que estão presas em estabelecimentos prisionais superlotados, que já estejam a mais de 90 dias presas provisoriamente ou que não praticaram crimes violentos.

 

As que já estão em liberdade e devem assinar no fórum mensalmente, estão dispensadas, e em caso de prisão em flagrante, deve-se dar máxima excepcionalidade a novas prisões preventivas.

 

Por fim, as recomendações para aquelas mulheres que estão cumprindo pena em decorrência de uma condenação com trânsito em julgado são as seguintes:

 

Art. 5º Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:

 

I – concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, nos termos das diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante no 56 do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em relação às:

 

  1. a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência e demais pessoas presas que se enquadrem no grupo de risco;

 

  1. b) pessoas presas em estabelecimentos penais com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão de sistema de Art. 5o Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:

 

I – concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, nos termos das diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante no 56 do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em relação às:

 

  1. a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência e demais pessoas presas que se enquadrem no grupo de risco;

 

  1. b) pessoas presas em estabelecimentos penais com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão de sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus;

 

II – alinhamento do cronograma de saídas temporárias ao plano de contingência previsto no artigo 9º da presente Recomendação, avaliando eventual necessidade de prorrogação do prazo de retorno ou adiamento do benefício, assegurado, no último caso, o reagendamento da saída temporária após o término do período de restrição sanitária;

 

III – concessão de prisão domiciliar em relação a todos as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução;

 

IV – colocação em prisão domiciliar de pessoa presa com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19, mediante relatório da equipe de saúde, na ausência de espaço de isolamento adequado no estabelecimento penal;

 

V – suspensão temporária do dever de apresentação regular em juízo das pessoas em cumprimento de pena no regime aberto, prisão domiciliar, penas restritivas de direitos, suspensão da execução da pena (sursis) e livramento condicional, pelo prazo de noventa dias;

 

Parágrafo único. Em caso de adiamento da concessão do benefício da saída temporária, o ato deverá ser comunicado com máxima antecedência a presos e seus familiares, sendo-lhes informado, assim que possível, a data reagendada para o usufruto, considerando as orientações das autoridades sanitárias relativas aos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do novo coronavírus.

 

Para a fase de execução, recomenda-se a concessão antecipada de regime semiaberto, aberto e livramento condicional, para as mães, gestantes, lactantes, idosas e presas que estão no grupo de risco, presas que estejam em estabelecimentos prisionais com a capacidade máxima superada ou que não tem unidade de saúde.

 

Além do mais, para as presas do regime aberto e semiaberto, deve ser concedido a prisão domiciliar e a suspensão da assinatura mensal no fórum pelo prazo de 90 dias.

 

Assim sendo, pela análise dos artigo 318-A e 318-B do CPP, juntamente com a Recomendação de nº 62 do CNJ, entendemos que só o fato da condição de gênero, ser mulher e estar presa, já dá margem para a concessão da prisão domiciliar.