BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O CRIME DE TORTURA

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi o primeiro dispositivo legal a tipificar como o crime a prática de tortura, vejamos o que diz o artigo 233 do ECA, submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura.

Porém, o tipo penal ficou em aberto, pois até então não havia nenhuma definição do que seria tortura, isso gerava questionamentos sobre uma possível violação ao princípio da legalidade.

O tema chegou no STF, que considerou constitucional a redação do artigo 233 do ECA, tendo em vista a quantidade de tratados internacionais que regulam o tema como, Convenção

Contra a Tortura adotada pela ONU, Convenção Interamericana Contra a Tortura, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, etc.

Em 1997, entrou em vigor a lei 9.455 que tipifica o crime de tortura, tal lei revogou o artigo 233 do ECA.

Vejamos o artigo 1º da Lei de Tortura:

Art. 1º Constitui crime de tortura:
I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

Da leitura do inciso I da referida lei, observamos que a tortura nesses casos terá uma finalidade, o agente objetiva causar um sofrimento físico ou mental com o fim de obter informações, declarações, confissões de terceiros, da própria vítima, para agir ou se omitir de forma criminosa, por conta de discriminação racial ou religiosa.

O parágrafo 1º da Lei de Tortura diz que incorrerá nas mesmas penas quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio de prática de atos não previstos em lei ou não resultante de medida legal.

Aqui a vítima não pode ser qualquer pessoa, é somente a pessoa presa ou a que se submete a medida de segurança, nesses casos o constrangimento é criminoso, pois os presos merecem ter sua dignidade e integridade físicas asseguradas, a pena imposta somente se limita na privação da liberdade.

A própria Constituição Federal nos diz que: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”

A consumação do crime se dá com a exposição da vítima ao sofrimento físico e mental, a tentativa nesses casos é perfeitamente admitida.

O parágrafo 2º, do artigo 1º da Lei de Tortura nos diz que, aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

Neste caso, o legislador trouxe a hipótese de crime omissivo, pois alguns agentes ao tomarem conhecimento do crime de tortura, devem apurar os crimes ocorridos e evitar os futuros.

Podemos pensar em sede de exemplo, no diretor do presídio, que ao tomar conhecimento que alguns agentes estão torturando os internos, nada faz para impedir ou para apurar os fatos.

Aqui parece ter havido um equívoco por parte do legislador, pois se o diretor do presídio tomar conhecimento da situação e nada fizer, a pena deste é de detenção de 1 a 4 anos, enquanto do torturador é reclusão de 2 a 8 anos. Ao meu ver o diretor do presídio deveria ter pena maior que o torturador, pois mais grave do que a conduta de quem tortura é a do diretor do estabelecimento prisional, que compactua com essa prática monstruosa no lugar que ele deveria administrar.

O parágrafo 4º da Lei de Tortura traz as causas de aumento de pena, ou seja, sempre que tais circunstâncias estiverem presentes a pena do torturador será agravada, vejamos:

§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I – se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III – se o crime é cometido mediante seqüestro.

A condenação pela prática do crime de tortura acarretará para o servidor público torturador a perda do cargo, emprego ou função pública por um período duas vezes maior que a pena fixada.

O crime de tortura também será insuscetível de graça, anistia e indulto.

A lei nos diz ainda que o regime inicial de cumprimento de pena para quem tortura outrem será inicialmente o regime fechado, porém o STF já declarou a inconstitucionalidade do regime inicial fechado, tendo em vista que fere o princípio da individualização pena. Os critérios para se definir o regime inicial de cumprimento de pena são aqueles fixados no artigo 33 do Código Penal.

Sobre a fixação do regime inicial, vejamos julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. REGIME FECHADO. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO AFASTADA. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.464/2007, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALTERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL PARA O SEMIABERTO. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 111.840/ES, cujo Relator foi o Ministro Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/1990, com a redação dada pela Lei 11.464/2007, que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado, passando, aludido entendimento, a ser seguido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e neste Sodalício. No caso em exame, como a reprimenda corpórea ficou definitivamente fixada em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, impõe-se a alteração do regime prisional para o semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “b”, do Código Repressivo. REVISÃO CONHECIDA E PROVIDA.

(TJGO, REVISAO CRIMINAL 56204-14.2018.8.09.0000, Rel. DES. CARMECY ROSA MARIA ALVES DE OLIVEIRA, SECAO CRIMINAL, julgado em 05/12/2018, DJe 2651 de 19/12/2018)