Celular apreendido dentro de penitenciária pode sofrer devassa

O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a devassa de dados de celulares equipara-se à violação do sigilo telefônico, o que afronta direitos fundamentais assegurados na Constituição. No entanto, a mesma corte já acenou com a relativização destes direitos quando a apreensão do aparelho se deu no interior da penitenciária, estabelecendo uma distinção na aplicação da jurisprudência.

 

Com este fundamento, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou decisão, nos autos de medida cautelar, que indeferiu pedido de análise de extração de dados de um celular apreendido no setor de amamentação do presídio feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre.

 

Com o acolhimento da apelação, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Núcleo Lavagem de Dinheiro) do Ministério Público gaúcho terá integral acesso ao conteúdo digital, podendo realizar diligências para confirmar ou não os indícios de que o aparelho vinha sendo usado por uma facção que atua no tráfico de drogas. O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na sessão de 11 de dezembro.

 

Despacho denegatório

 

O juiz Ruy Rosado de Aguiar Neto, da 17ª Vara Criminal de Porto Alegre, especializada em lavagem de dinheiro, havia negado o pedido do MP por entender que a devassa no aparelho exige prévia autorização judicial. Ou seja, não seria possível a simples ratificação de tal procedimento, embora a própria representação do MP informasse que o conteúdo (fotos, áudios e conversas de WhatsApp) já tinha sido acessado.

 

‘‘Como se sabe, o acesso a dados de celular e conversas por aplicativo de mensagem depende de prévia autorização judicial. Ausente a autorização prévia, o acesso aos dados implica interceptação não autorizada de comunicações, com contaminação da prova eventualmente obtida. […] Isso posto, indefiro o pedido’’, anotou no despacho da cautelar.

 

Apelação do MP-RS

 

Em combate à decisão de Aguiar Neto, o MP interpôs recurso de apelação no TJ-RS, sustentando que os direitos e garantias individuais não são absolutos, podendo ser relativizados diante de determinadas circunstâncias. Além disso, pontuou que as apenadas que utilizavam o celular são ligadas à facção criminosa ‘‘bala na cara’’.

 

 

A relatora da apelação na 7ª Câmara Criminal, juíza convocada Viviane de Faria Miranda, acolheu os argumentos do MP, representado no colegiado pelo procurador de Justiça Gilberto Thums. Primeiro, lembrou que a ministra Laurita Vaz, do STJ, ao julgar ao HC 546.830/PR, acenou com a possibilidade de uma relativização maior destes direitos quando a apreensão for feita em presídio. É que o apenado está com seus direitos restritos, sendo ilícito utilizar o aparelho naquele local.

 

Distinção por justiça

 

Segundo, disse que a decisão superior propõe um procedimento de diferenciação jurisprudencial, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto. É o que se pode chamar, no âmbito doutrinário, distinguishing, compreendido como a recusa em aplicar um precedente diante de um caso atual, com suas peculiaridades. Este precedente, se aplicado, geraria injustiça.

 

Assim, para a relatora, a situação dos autos difere daquela estabelecida pelos tribunais superiores, quando os ministros, para assentar a jurisprudência, analisaram a apreensão de aparelhos celulares em sede de flagrante criminal, e não em estabelecimentos prisionais. Ademais, no caso dos autos, a apenada suspeita de ter utilizado o aparelho se encontrava com a liberdade restringida.

 

‘‘Na sua condição, a apelada tem o dever de seguir as normas do estabelecimento prisional, não sendo possível falar na inviolabilidade das suas comunicações telefônicas, uma vez que realizadas de forma ilícita em aparelho clandestino. Tal circunstância, vinculada à ilicitude do aparelho utilizado, a meu ver, afasta a proteção constitucional e autoriza o Estado a acessar os dados’’, definiu a juíza convocada, atendendo o pleito do MP.

 

Fonte: Conjur