O uso dos antecedentes criminais no tribunal do júri

Durante o plenário do júri é extremamente prejudicial à defesa a leitura dos antecedentes criminais do réu, principalmente porque são sete indivíduos leigos da sociedade que irão decidir, seja para condenar ou absolver.

 

No tribunal do júri, o réu goza do direito de plenitude de defesa,  que engloba tanto a autodefesa como a defesa técnica exercida por advogado ou defensor público. Dentro dessa plenitude também é direito do réu se manter em silêncio, pois é uma prerrogativa constitucional conferida ao acusado de não se auto incriminar. Todavia, esse e outros direitos também mostram-se prejudiciais ao acusado, do ponto de vista estratégico, considerando que os juízes da causa são leigos.

 

Inicialmente cabe destacar que o autor do crime goza do direito da presunção de inocência até que haja sentença condenatória com trânsito em julgado.

 

Quando a acusação expõe a ficha criminal do acusado, geralmente o promotor de justiça aponta para os processos que o réu responde ou já respondeu, o que claramente abala a presunção de inocência.

 

No tribunal do júri, infelizmente julga-se o indivíduo juntamente com seu histórico processual. Julga-se o “traficante” o “ladrão” e o “assassino”, contudo o Direito Penal que adotamos é do fato e não o Direito Penal do Autor, jamais poderemos penalizar o ser de alguém, mas somente o seu agir.

 

O artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal dispõe que ‘’ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, o que certifica assim o princípio da não culpabilidade.

 

A culpabilidade, conforme Rogério Greco, “Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente” ou seja, refere-se sobre o fato, enquanto que a periculosidade recai sobre o autor, sendo a periculosidade afastada no momento de formação do convencimento, visando exatamente apreciar o fato e não o ser do indivíduo.

 

Infelizmente, esse e outros conceitos inerentes sobretudo ao princípio da dignidade da pessoa humana são, na maioria das vezes, desconhecidos pelos jurados leigos, os quais são influenciados pela mera leitura dos antecedentes. A ideia é “é ladrão, já praticou vários crimes de roubo, provavelmente praticou esse homícido, logo, voto pela condenação”, a acusação pede para que os jurados condenem, alegando que os próprios jurados em eventual absolvição podem ser vítimas do réu no futuro.

 

O réu é taxado como criminoso antes mesmo de ser apurado o fato em questão, a condenação não advém da análise minuciosa dos fatos e das provas produzidas no processo, pune-se tão logo o ser e não o que ele fez.

 

O artigo 478 do Código de Processo Penal traz condutas que são passíveis de nulidade do júri, pela leitura do referido artigo, é possível perceber que o legislador vedou alguns atos que gerem prejuízo a um julgamento justo e a ampla defesa, ora, se a exposição dos antecedentes é um ato que prejudica a defesa do réu, logo, por expressa previsão legal do artigo 3º do mesmo diploma legal, admite-se a interpretação extensiva e aplicação analógica à lei processual penal, bem como a aplicação dos princípios gerais do direito, conforme vem sendo entendido e aplicado por alguns tribunais.

 

PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO TENTADO. JUNTADA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS E INFORMAÇÕES ACERCA DA VIDA PREGRESSA DO ACUSADO. RESPEITO AO ART. 422 DO CPP. UTILIZAÇÃO DE TAIS DOCUMENTOS COMO ARGUMENTO DE AUTORIDADE NA SESSÃO PLENÁRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI (DIREITO PENAL DO AUTOR). IMPOSSIBILIDADE. 1. No procedimento dos crimes dolosos contra a vida, a lei processual penal admite a juntada de documentos pelas partes, mesmo após a sentença de pronúncia, a teor do art. 422 do Código de Processo Penal (HC n. 373.991/SC, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe de 1º/2/2017). 2. Assim, inexiste constrangimento ilegal na juntada, a tempo e modo, dos antecedentes policial e judicial do réu, inclusive as infrações socioeducativas. 3. No entanto, em se tratando do exame dos elementos de um crime, em especial daqueles dolosos contra a vida, o fato não se torna típico, antijurídico e culpável por uma circunstância referente ao autor ou aos seus antecedentes, mesmo porque, se assim o fosse, estaríamos perpetuando a aplicação do Direito Penal do Autor, e não o Direito Penal do Fato. Desse modo, para evitar argumento de autoridade pela acusação, veda-se que a vida pregressa do réu seja objeto de debates na sessão plenária do Tribunal do Júri. 4. Recurso ordinário em habeas corpus provido em parte, para que os documentos relacionados à vida pregressa do recorrente e que não guardam relação direta com o fato não sejam utilizados pela acusação na sessão plenária do Tribunal do Júri. (RHC 94.434/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 21/03/2018, (grifei).

 

Por fim, é evidente que a utilização dos antecedentes em plenário prejudica muito a defesa do acusado, pois influencia de forma direta no convencimento dos jurados leigos, pois na condição de leigos vão julgar o réu pelo seu ser, pela vida pregressa, e não de acordo com as provas produzidas nos autos, se o réu responde ou respondeu a outros processos criminais, infelizmente o rótulo de criminoso já se encontra estampado previamente, cerceando assim a defesa, a presunção de inocência e até mesmo o direito ao esquecimento, vigorando o Direito Penal do Autor no Tribunal do Júri.